Saint Tropez - um mundo à parte e à la carte
Saint Tropez não é um
destino turístico, é uma marca de luxo criada pela Brigitte Bardot.
Quatro dias
fizeram-me pôr as coisas em perspectiva: mesmo se tivesse ganho o sorteio da
Once dos 20 milhões não seria, afinal, milionária. 20 milhões de euros nem sequer chegam para comprar um desses
barquinhos que abundam no Porto de Saint Tropez, cujo preço só para encher o
tanque de gasolina equivale ao que eu considero um excelente salário.
Vivemos num Matrix:
existem mesmo dois mundos paralelos.
Num mundo vai-se a Saint
Tropez de carro, no outro de avião privado ou helicóptero com destino ao
heliporto do iate que brilha resplandecente nas águas transparentes.
Num mundo, enfrentam-se
os terríveis congestionamentos nas entradas e saídas da vila, qual segunda
circular em hora de ponta, mais os parkings escassos e “completos”, e os labirintos pelas ruelas de sentido
único, nitidamente não preparadas para o intenso fluxo de turistas que por elas
almeja circular. No outro mundo, tem-se um chofer ao volante do Ferrari, Austin
Martin, Lamborghini, Rolls Royce, Maserati ou Porshe. Nomes que “ici” são mais comuns que Maria.
No mundo dos
condutores de carros, uma pessoa hospeda-se num hotel agradável com três
estrelas que garantem piscina, uma vista bonita do Golfo de Saint Tropez e um
quarto pequeninomas asseado que tem uma casa de banho jeitosa com secador de cabelo, quase tão imprescindível
como o parking gratuito. No mundo dos topo de gama, a noite custa 2.500€ no Hotel Byblos ou
crédito ilimitado de manutenção e serviço nas mansões flutuantes em forma de
barco.
Num mundo vivem as
pessoas que pensam duas vezes antes de pedir uma cerveja, porque a mais barata são
7€ e, no outro, os que compram garrafas de vinho pela módica quantia de 3.000€.
Os da cerveja esperam para entrar nos sítios, esperam para ter uma mesa onde comer, esperam meia hora no bar até que
lhes atendam. Os das garrafas têm uma vida muito mais elíptica, porque não
esperam. Para nada.
Os que esperam, trazem
toalha e guarda-sol e acampam à beira-mar, na praia pública. Sim, PRAIA
PÚBLICA. Que fique desde já desmistificada a ideia de que no sul de França
todas as praias são privadas. Porque elas são tão públicas como a calçada
portuguesa! Sucede que em cada praia há
um ou vários estabelecimentos com bar/restaurante e espreguiçadeiras ou zonas
lounge. Quem quiser torrar ao sol espreguiçado tem, evidentemente, que pagar pela
espreguiçadeira mais um consumo mínimo que no Nikki Beach começa em 300€. Por
ser grátis, a praia pública é regularmente referenciada como um lugar indigno,
como se por frequentá-la uma pessoa voltasse para casa com sífilis e hepatite,
mas vamos a ver e é feita da mesma areia e da mesma água que a sua congénita
privada. Que o sol quando nasce é para todos e o bronzeado será o mesmo na cama
do Nikki beach ou na toalha à beira-mar plantada.
Ao cair da noite, num
mundo é hora de dar ao pé à procura de um sítio para jantar por menos de 50€
por boca, uma busca quase sempre infrutífera a não ser que se compre uma sandes
na roulotte da Place des Lices, e no outro é hora de gastar, no mínimo, 200€
por paladar. Depois do jantar, um mundo fica de pé, a divertir-se ao longe, a
noite toda com uma bebida que lhe custou 25€, enquanto o outro mundo dança e
balança no centro do universo, sentando-se sempre que lhe apetece em exclusivas
mesas e sofás VIP, debaixo de uma chuva de champanhe de 35.000€. É praticamente
o sistema de castas da Índia, versão vestidos Dior, malas Fendi e garrafas de
Dom Perignom.
Ele, alheio à questão
dos mundos, disse-me “Vês como não
precisamos ser ricos para estar aqui e
podemos ir aos mesmos sítios que eles vão.”
Sim, estamos e vamos.
E é bom! Principalmente porque estamos juntos e de férias.
Mas não é a mesma
coisa.
Comentários