Toledo
Estamos a
chegar. O carro adivinha as curvas de séculos de história e misticismo e ao
longe… avisto Siena. Ou o que eu decidi que é a sua homóloga espanhola: Toledo.
A muralha, as portas da cidade, as casas castanhas engalfinhadas em calçadas
que desafiam as colinas de Lisboa. Aquela mesma sensação de estar a caminhar
num conto de trovadores. E à volta, depois do rio onde atiravam as suspeitas de
bruxaria amarradas (se morressem afogadas eram inocentes se emergissem eram
bruxas), nada mais que verde. Como a Toscana.
Antiga capital
do reino, terra de andanças de D. Quixote e Sancho Pança pelos quarteirões mágicos
a que bruxas e feiticeiras deram nome, Toledo recebeu-nos com sol e calor. Em 3
passos damos a volta pela mesquita, pela catedral e pela judiaria, um gueto de
onde os judeus não podiam sair, agora convertido num desfile de esplanadas e
lojas de souvenirs. Olhando em volta, imaginamos quantos cristãos viveram
amores proibidos com mouros, quantos judeus a inquisição perseguiu, quantas estórias
dentro da historia sabem aquelas pedras.
Como a estória da bruxa Catalina contra quem
testemunharam mais de 200 habitantes, ou a do enterrador que de dia enterrava
os mortos no cemitério e de noite desenterrava-os para alimentar os seus
porcos. Depois vendia-os no mercado de terça feira, com imensa demanda, por
serem os porquinhos mais cheiinhos. Não nos esqueçamos das “múmias” de Toledo, cadáveres
que inexplicavelmente se conservaram durante séculos e que atualmente despoletam
ruturas amorosas ao incentivar comentários como “Cariño este es igual que tu
madre”. Que não faltem as feiticeiras, vulgo charlatãs, com soturnas medicinas
para todos os males. Mesmo os que não existiam. As gentes acudiam ao “quarteirão
mágico” em romaria, para que lhes fosse receitado beber chichi de vaca, comer
fazes de porco ou outras delicatesses esotéricas.
Era isso ou
ir ao médico e sangrar até desfalecer. Esse crença científica da Idade Média,
de que perder sangue era a cura mais poderosa (depois das indulgências à igreja).
Abundam também os espíritos, a Santa que fazia o piano soar sem que ninguém o
estivesse a tocar, ou os mortos cujos corpos foram trasladados de cemitério e
as almas nunca mais descansarão em paz. Como as dos cardeais que, enterrados na
catedral, aguardam no purgatório a passagem ao céu. Como é que eu sei? Porque em
cima da sepultura de cada Cardeal, pende de um fio o seu chapéu vermelho
eclesiástico. O dia em que o chapéu cair, é porque a alma do Cardeal subiu ao
céu. Os chapéus estão pendentes há 300 anos. Ainda não caiu nenhum.
Tudo isto e
mais, contaram-nos em duas excursões noturnas, com o céu a desabar sobre as
nossas cabeças e gatos pretos a correrem assustados com a tempestade. O
ambiente ideal para sentir o lado sinistro e tenebroso que dá fama a Toledo. De
dia é tudo bonito, é o tempo de lembrar os corajosos cavaleiros cristãos e a
harmoniosa convivência entre as 3 culturas que Alfonso “O Sábio” proporcionou ao reino.
Ainda que
fora dos livros se diga que era mais uma questão de sobrevivência que de
convivência…
Mas é depois
do sol posto, de noite, que Toledo acorda e se revela de verdade.
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