Sexta-feira negra
Havia um anúncio na
televisão que eu não percebia. Começava com uma senhora afro-americana, aos
berros pelo corredor de sua casa e a bater as mãos para acordar os miúdos
quando, nitidamente, ainda era de noite. E não é que os estivesse a acordar
para ir para a escola, não, era porque ela queria ir às compras e estava ali
numa agonia para meter a família toda em formação militar. (Para ir às compras!)
No fim do anúncio aparecia um senhor a dizer-lhe que podia estar descansada da
vida e comprar online, que isso de acordar as crianças de madrugada para ir às
compas não valia a pena. Bom, até aí, também lhe podia ter dito eu.
A primeira vez que vi o
aúncio pensei ter percebido mal, ou ter perdido qualquer detalhe chave.
Redobrei a atenção na segunda toma, mas não, a mesma coisa. Lá veio a senhora
afro-americana a estrebuchar pelo corredor afora outra vez, com o mesmo
propóstio.
Ouvi-a gritar e bater as
mãos tanta vez que entrei em modo de economia de energia intelectual “ah, é
aquele anúncio estúpido, deixa-me cá ignorá-lo”.
Os dias foram passando e
chegou o Thanksgiving. E com ele o perú recheado, o squash, o ratatuille, o
gravy e outras iguarias americanas, que
afinal não é só Mc Donalds e Hot Dogs.
Estava tudo muito bom,
estava tudo muito bem, até que começaram a aparecer mais anúncios na televisão
com mães de família a ir às compras às 3 da madrugada. Comecei a ouvir conversas de lojas que abriam
às 5 da manhã com promoções abismais e incursões nocturnas para conseguir as
melhores ofertas. Pessoas que dormiam à porta das lojas, pessoas que eram
atropeladas por outras pessoas, pessoas que morriam no holocausto comercial. E
a tudo isto ouvia chamar Black Friday. Oh Diabo! Então isso não foi aquando do
crash da bolsa de 1929?
Diz que não, que essa foi
a Black Thursday. Black Friday é a sexta-feira, depois do dia de Thanksgiving,
em que as lojas entram num sistema de saldos sórdido e abrem mais cedo, que é
com que diz, a meio da noite. Então fez-se luz! Estava explicado o histerismo
da senhora afro-americana do anúncio. Histerismo
esse que, devo dizer, me contagiou completamente!
Para mim, todas as
semanas deviam ter uma Black Friday!
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