Ser feliz é grátis
Todos os dias, os telejornais mostram centenas de imigrantes
a tentarem cruzar a fronteira entre Marrocos e Espanha. Aparecem sentados, com as pernas abertas, em
cima das redes que demarcam a fronteira. Não se mexem. Desafiam a semiótica,
cuja interpretação definiria o arame farpado como um claro signo de um sítio
onde não é suposto sentarmo-nos. Como é evidente, repampinfla-lhes a semiótica,
o arame farpado e as pernas dormentes. Enquanto estiverem ali, estão a salvo. Não
podem ser deportados, mas também já não podem ser apanhados por seja o que for
de que estão a fugir. São inofensivos. Arriscaram a vida a cada passo da viagem
para entrar neste lado do mundo, sem nada mais que esperança. O que me faz imaginar quão terrivelmente má
tinha que ser a vida aí onde estavam, para chegarem aqui mutilados, esfomeados,
doentes, desidratados, mas felizes, por terem chegado.
Nas vezes em que a polícia não os afugenta a tiros e
pauladas, sorriem para as câmaras de televisão, acenam como se fossem pop
stars, dizem que foi difiícil mas que estão muito contentes, como se tivessem
acabado de ganhar um jogo futebol. Mostram as lesões e cicatrizes da travessia,
com um misto de pena e orgulho.
Vão em fila indiana, ordenados para entrar no autocarro da
guarda cívil, rumo a algum centro de acolhimento superlotado. Vão sem dinheiro, nem trabalho, nem uma muda
de roupa.
Mas...já mencionei que vão felizes?
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