Psicologia infantil
O Verão já se foi, mas a praia continua aqui. Hoje, após
dias de uma praia quase deserta, as pessoas aperceberam-se disso.
A praia de Barcelona estava tão apinhada como num qualquer
dia de Julho, com tudo a que tem direito: vendedores ambulates de mojitos e
cervejas, cães, raquetes, bolas, barcos, pranchas e crianças. Ninguém sabe
tirar tanto partido da praia como as crianças. Os baldinhos cheios de areia, os
túneis aquáticos, a exquisita e minunciosa seleção de pedrinhas e conchinhas,
os empreendimentos arquitetónicos, a luta com as ondas e o gigantesco desafio
de escapar à rebentação.
Aos olhos de quem tem 5 anos de idade, a praia é a melhor coisa do
mundo, logo depois da Eurodisney. Que com 5 anos uma pessoa já tem as suas
prioridades claras!
A certa altura, ouvi uns pais a gritar atrás de mim.
Gritavam e esbracejavam tão desesperadamente, que primeiro até pensei que
estivessem a ter um ataque asmático. Quando constatei que respiravam com
normalidade, virei-me à procura dos miúdos, queria saber o que tinham feito
para desencadear tamanho pânico. Teriam água pelo queixo ou estariam a nadar ao
pé das rochas?
Nada.
Estavam à beira-mar, com o dedo grande do pé dentro de água,
se tanto!
Mas os pais continuavam exaltados.
- Não, não! Não podem entrar na água! Venham já para aqui!
Eles anuiram, obedientes e descontentes.
- A água está toda suja, uma porcaria, nem pensar!Se se
querem molhar podem ir à ducha.
Que pais mais desmancha prazeres, pensei. E a julgar pelas
caras das crianças, estavam a pensar o mesmo.
Em defesa dos pais, ontem à noite choveu e hoje a água estava, realmente, um mar de javardice. Também é verdade que, para os adultos, faz todo o sentido
ir à ducha se nos queremos molhar, mas não queremos entrar no mar. Agora, para
uma criança de 5 anos, a lógica funciona com outros códigos semânticos segundo os quais a ducha representa, por
razões óbvias, uma alternativa insatisfatória.
O rapazinho mais velho fitou o pai com severidade, numa
pausa pensativa, provavelmente considerando os prós e os contras de desafiar a
autoridade paternal. Nunca é fácil desafiar alguém maior do que nós. Transcorridos alguns segundos de hesitação, ele rebateu com o que lhe ia na alma, face a tão indecente proposta.
Respondeu
aliás, o que eu considero, a única resposta possível nesta situação:
- Mas a ducha não é o mar!!!
Touché!
Curto e preciso. Verídico. Impossível de contra-argumentar.
Eu arriscaria mesmo desenvolver esta teoria com algo do
género “ se era para ir à ducha, podiamos ter ficado em casa” ou “se for à
ducha agora, já não tenho que tomar banho depois?”.
Mais uns anos e com certeza estas respostas chegarão.
Por enquanto bateu o pé e deixou a sua posição marcada: sou pequeno mas
não sou estúpido, não me tentem cá ludibriar, que não vai funcionar (e quando não estiverem a olhar, vou outra vez ao mar).
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