Ladrão que rouba ladrão, tem 100 anos de perdão
No liceu mandaram-nos ler um livro chamado Le petit Nicolas.
E eu gostei daquilo à brava, quase nem reparei que estava tudo em francês. O Petit
Nicolas era um pequeno bacano! Cheio de questões e introspecções
divertidas, como são todas as dúvidas vitais aos 6 anos de idade e cuja
resolução costuma acabar em trapalhada.
Nunca mais me lembrei dele, até que Espanha ressuscitou o
nome do livro e o transformou no cabeçalho de todos os noticiários. Não sei se
em Portugal o “pequeño Nicolas” tem o mesmo mediatismo que aqui mas a história,
em traços gerais, é assim: um miúdo de 20 anos, militante das juventudes do PP,
ludibriou vários empresários e políticos
espanhóis e sacou-lhes dinheiro em troca de “influências” que nunca exerceu,
porque não as tinha. Influências para mediar casos de corrupção, decidir
negociações avultadas, garantir concessões de licenças.
Utilizou como arma principal selfies com todos os políticos
que se lhe atravessaram no caminho, nas muitas vezes em que se “colou” em actos,
reuniões, celebrações e de tudo um pouco. Era aquela pessoa que ninguém sabia
quem o tinha convidado, mas que estava sempre em todo o lado. Portanto, foi
sendo assumido e reconhecido como “alguém” importante. Disse que era agente do CNI (centro nacional de inteligência),
amigo de X, parente de Y e assim montou uma poderosoa rede de contactos e um
cenário surreal com uma mansão, limousines com chofer e uma panóplia de
documentos falsificados. Na sua ascensão
mirabolante ,chegou mesmo a conhecer pessoas chave que o apoiaram,
transformando algumas mentiras em meias verdades. Esteve, realmente, em reunião
no CNI, falou com o rei Juan Carlos por telefone, foi à coroação de Felipe VI,
teve conversas com Aznar e, basicamente, ridicularizou todos os sistemas de
segurança e inteligência espanhóis. Trazendo assim à luz, ainda que de maneira
involuntária, a pouca seriedade pela qual se regem os nogócios e decisões
políticas neste país. E é por isso que agora está em julgamento e enfrenta uma
fúria feroz!
Porque quando os bancos convencem as pessoas a pedir
créditos que não podem pagar, quando a lei das hipotecas permite que alguém
fique sem casa independentemente de todos os anos em que pagou a sua hipoteca,
quando os contratos com letra pequena enganam os mais idosos ou menos
preparados para os meandros da burocracia, quando a segurança social come quase
metade dos salários, quando o comércio online vende made in china com nomes de
alta costura, ninguém se importa meia batata. Estão-se todos pouco marimbando. Agora, quando
um puto usa e abusa do sistema, enganando ricos e corruptos, então aí há um
problema!
O pequeño Nicolas é um charlatão. Um “estafador”, como dizem
aqui. É. Contra factos não há argumentos. No entanto, todas as pessoas afectadas
pelas suas mentiras são pessoas dispostas a pagar a troco de influências, a
receber comissões ilegais, a obter lucros e alcançar objetivos de maneira
ilícita. Pessoas embrenhadas num sistema de favoritismos, amiguismos e
corrupção pura e dura. Pessoas que merecem estar sentadas no banco dos réus,
tanto ou mais que ele.
Enquanto os altos círculos e as televisões degolam o Pequeño
Nicolas vivo, o “povo” criou uma simpatia por ele, uma admiração incondicional,
por ter feito de parvos todos os que se julgavam mais espertos. Como se
estivessemos perante uma sátira teatral, porque esta história é uma comédia.
E eu, continuo uma fã assumida do pequeno Nicolau!
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