Carpe Diem
E de repente, numa manhã qualquer entre dois e-mails e algum
desabafo, cai um avião.
As arrelias com o chefe passam a segundo plano. Os dramas
que não nos deixam dormir em paz desfazem-se na ideia de que, pelo menos,
estamos vivos para ter insónias.
Aquele esquecimento de ir ao supermercado, a internet que
não funciona, o carro que não arranca, o pombo que nos fez cocó em cima, aquela
pessoa que nunca mais disse nada, aquele amigo que nos deve dinheiro, o outro
que nos deixou pendurado, as estrias e a celulite, o esparguete que nos manchou
a camisa branca.
Tudo são borboletas. Porque enquanto nós nos estávamos a
queixar de alguma coisa que parecia o fim do mundo, havia 150 pessoas para quem
o mundo se estava a acabar.
Assim, aleatoriamente, só porque sim.
Porque o copiloto daquele voo estava deprimido e achou que
espetar o avião nos Alpes franceses era a melhor opção. Sem que ninguém pudesse
fazer nada. Pessoas que deixaram de ser donas do seu destino para passarem a
ser vítimas de uma fatalidade. Lágrimas de um desastre. Despojos de humanidade.
Poderíamos ter sido nós. A ir de férias, a ir a casa no
Natal, a viajar por negócios, a ir visitar amigos, filhos, amantes. Podemos ser
nós, qualquer dia em qualquer momento.
Porque não podemos evitar a morte, nem saber quando nos virá
buscar, o que podemos é aproveitar a vida enquanto estamos por cá. Colocar
esses problemas tormentosos em perspectiva, enfocar todas as energias nas
pessoas e nas coisas que nos fazem felizes. Sorrir, chorar, apanhar chuva e
deixar-se molhar. Ver o céu, ver as estrelas, ver o mar. Viajar. Amar. Respirar.
Arriscar. Fazer uma loucura aqui e ali, romper as regras pelo menos uma vez. Não
levar as chatices tão a peito, não abusar da seriedade das coisas, todas elas
efémeras no final. Divertir-nos. Sentir-nos bem.
Para que um dia, quando de repente se acabe tudo, sejam mais
as coisas que nos arrependemos de ter feito, que as coisas que nos arrependemos
de ter deixado por fazer.
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