A lenda de Sant Jordi
Ainda estavam a montar as bancas na Rambla quando saí de casa
de manhã, pela fresquinha. A persiana da livraria já estava levantada, em sinal
de preparação para o grande dia.
A esquinas ainda eram só cimento, mas meia hora depois e lá para
os lados da praia, já começavam a despontar as rosas vermelhas.
Não havia pressa, ainda era cedo. Não estava exatamente na
expectativa, mas esperava pelo menos uma. De algum amigo, de algum admirador,
de algum colega de trabalho. Na pior das hipóteses, de alguma promoção de rua, de
algum espontâneo tomado de golpe pelo espírito da “Diada de St. Jordi”.
Mas o dia foi passando e as rosas foram desabrochando e eu continuava
sem a minha.
Quando cheguei a casa para almoçar, a Rambla vazia tinha
dado lugar a uma enchente pulsante de gente, saltitante entre bancas de livros
e rosas, num colorido primaveril digno de um quadro de Matisse. Uma atmosfera
vibrante e alegre! E eu sem rosa....
Atravessando a multidão, o coração, que tinha acordado
grande e cheio de esperança, ia murchando, ia ficando cada vez mais pequenino e
sem esperança.
Ia ser a única mulher de Barcelona sem rosa no dia St.
Jordi. Se calhar devia comprar-me uma rosa a mim própria... mas assim não vale.
Além do que, o karma por aldrabar um Santo deve ser terrível!
Veio a noite e com ela uma festa de “flower power”, onde as
esperanças renasceram, qual fénix, mas em vez de receber, estive a dar flores.
E depois da meia noite já estava conformada, resignada com a
minha sorte. Já tinha feito as pazes com o coração e até já nos tínhamos
esquecido das rosas.
Ia no táxi a fazer scrolling no telemóvel, desejosa de
chegar a casa e ir dormir, que já era tarde e no dia seguinte começava tudo
outra vez, quando o taxista perguntou:
- E tu, recebeste uma rosa hoje?
Bolas! Logo agora que já não me lembrava disso...
- Não... não recebi nenhuma.
Respondi com amargura, sem tirar os olhos do telemóvel, em
clara manifestação de não ter nenhum interesse em desenvolver esse tópico de
conversa.
- Toma, aqui tens uma rosa para ti!
Levantei os olhos emocionada, incrédula, surpreendida,
enquanto ele me passava uma rosa, que não sei de onde desencantou. Mas também,
o que é que importa?
Mais vale tarde do que nunca. E às 3.30 da manhã, quando já dava o dia por perdido, o impossível fez-se realidade: eu recebi a
minha rosa.
Um taxista cujos traços não recordo salvou o meu Sant Jordi!
Assim já pude dormir feliz.
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