Um dia destes vou presa parte II
Voltei à esquadra da
polícia no Domingo de manhã. Voltei a ter de explicar que podia denunciar a
estafa do meu cartão de crédito sem apresentar os últimos 6 meses de movimentos
da minha conta. Voltei a ser informada de que havia uma espera de duas horas
para fazer uma denúncia.
Pedi a folha de reclamações.
Tal e qual, toma lá vai buscar, trigo limpo farinha amparo,
mandando rodar a baiana con dos huevos! O que lhe quiserem chamar, na gíria do
idioma que mais vos agrade.
Pedi a folha de reclamações.
O senhor agente
fitou-me, perplexo, com cara de esta louca era só o que me faltava. E logo
assim, de manhã, pela fresquinha, para começar bem o dia! Ah mas eu não estou
nem aí! Parece-me óbvio que se dois dias seguidos há uma espera de duas horas
para fazer uma denúncia, quer dizer que alguém não está a fazer bem o seu
trabalho e deixo-vos uma pista, eu não sou. Se não conseguem manter a segurança
da cidade, então pelo menos que reforcem o número de agentes nas esquadras de
maior afluência, para liquidar a burocracia.
Na falta de qualquer coisa para me responder e de motivação
para processar 100 denúncias e uma folha de reclamações, o senhor agente rendeu-se, “preenche o
formulário rápido e já te atendemos”. Eu
desisti da minha ameaça, preenchi o formulário e ficámos amigos outra vez. Não esperei mais de dez minutos até me
chamarem. Sentei-me frente a frente com outro agente, que se debateu, corajosamente,
com o computador para registar oficialmente a estafa do meu cartão de crédito.
Foi então que percebi os verdadeiros desafios do dia-a-dia de um polícia na era
digital: a impressora que não funciona, o programa informático que tem
demasiadas opções e nenhuma contempla o que ele quer denunciar, o ar
condicionado que sai muito forte e não se pode regular (por isso tapa-se com
jornais), a gestão geral do teclado do computador, que isto de escrever não é
assim tão fácil como parece, e um turista que acha que porque se esqueceu das
compras dentro do táxi, pode fazer uma denúncia de furto. Faltou pouco para o senhor agente arrancar a
cabeça ao senhor turista, enquanto lhe gritava que ali tinham assuntos sérios
para tratar e não podiam perder tempo com “tonterias”. Isto já depois de eu lhe
ter pedido a folha de reclamações, portanto estava mesmo a ter um dia de sorte
o senhor agente!
Interpretar o sucedido, fazer contas dos montantes roubados,
perceber as datas e resumir tudo de forma clara com um vocabulário técnico, é outra
coisa que leva o seu tempo quando colocam polícias a fazer o trabalho de uma
secretária administrativa. A única diferença é que têm uma pistola atrelada ao cinto.
Depois de meia hora, uma impressora arranjada e muita
vontade de me oferecer para escrever eu mesma a denúncia, lá me deram a
folhinha com os carimbos, os logos oficias e todo o blá blá blá, pejada de
erros ortográficos e incoerências gramaticais.
Enfim, é o sistema, como já bem previa Foucault.
A única coisa que podemos fazer é pedir a folha de
reclamações.
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