Uma questão de perspectiva
A questão das perspectivas é, realmente, sui géneris. Estava
eu a voltar de Londres, depois de um táxi, uma hora de autocarro, uma hora de
espera no controlo de segurança de Stansted, onde obrigam a pôr todos os líquidos
numa bolsinha transparente, duas horas de avião e outra meia hora de táxi,
quando cheguei a casa. Meia noite e meia, mais coisa, menos coisa. Paguei ao
motorista, agarrei na bolsa, abri a porta, saí do taxi, fechei a porta.
Caminhei até à entrada do meu prédio e, em frente ao portão, pensei “Hoje vou
de elevador, que com a mala não me vou pôr a subir as escadas”. Só aí me
apercebi de que não estava com a mala. Não, a mala estava no porta bagagens do
táxi. A mala que nem sequer era minha, era uma carry on cinzenta que tinha
pedido emprestada a uma amiga (que graças a Deus não fala português, portanto
jamais lerá este post), motivo pelo qual
tinha passado tanto a viagem de ida como
de volta com redobradas precauções para não me esquecer da mala, não me
confundir, não a trocar, não a estragar. Confirmava a cada segundo que tinha a
mala, abria o código e voltava a fechar para ter certeza de que era a mala
certa e não saí de ao pé dela nem para ir à casa de banho. Ironias de vida, eu
tinha chegado a casa e a mala não.
Fui a correr para a esquina onde o táxi me tinha deixado e
seguiu-se um ataque de pânico com arritmia cardíaca ali mesmo, no meio da rua,
à meia noite e meia, mais coisa, menos coisa (e menos uma mala). Não sabia se gritar, se chorar. Tinha o
telemóvel na mão, mas também não sabia a quem ligar. A única esperança era o
táxi aperceber-se e voltar para trás. Mas e se não se apercebesse? E se só
desse por ela no dia seguinte? E se ficasse com a mala para vender as minhas
coisas ou oferecer à família no Natal? Comecei a fazer contas à vida, só os
sapatos Louboutin (novos!) já eram 600€, mais as minhas roupas, casacos e todos
os produtos de maquilhagem e OH MEU DEUS a arritmia cardíaca começou a palpitar
mais forte! Apareceu um táxi e eu pensei que era aquele e ele pensou que eu
queria ir a algum lado e tudo não passou de um mal entendido. Já estava pronta
para desistir, dar tudo por perdido e ir a chorar para casa e comprar uma mala
nova à minha amiga, quando vi outro táxi a descer a rua, com o condutor a
fazer-me adeus. Pum-pum, pum-pum, pum-pum aguenta coração!!! Desta vez era
mesmo aquele, louvado seja o Senhor! O taxista disse que se apercebeu logo mas
que tinha ido dar a volta. Também disse que pensou que eu era uma traficante ou
uma terrorista e lhe tinha deixado ali a “mercadoria” de presente... Ora cá
está o sal da vida, o pleno esplendor da beleza de diferentes perspectivas: eu a pensar que ele era um ladrão, ele a
pensar que eu era uma criminosa procurada pela Interpol.
Afinal, ele era só um motorista de táxi honesto e eu era só
uma viajante extremamente cansada, à meia noite e meia, mais coisa, menos coisa
(mais uma mala).
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