Preciosismos literários
Tenho uma livraria à frente de casa que se não fosse por
vender livros nunca lá entraria.
A organização dos livros é discriminatória e caótica. Nos
stands destacados só se encontram coisas em espanhol e em catalão. Nas prateleiras
de literatura estrangeira em versão original é um Deus nos acuda. As
prateleiras, mesmo estando retas, são um autêntico labirinto para encontrar um
livro ou um autor. A ordem alfabética foi substituída pela anarquia, com a
particularidade de meterem pelo meio o Ken Follet em francês ou o Principezinho
em italiano, usando assim de maneira vagabunda o termo “idioma original”.
As novidades nestas prateleiras são escassas, parecem um
curso de literatura clássica estagnado no tempo. Não há ali página por onde
pegar e a mera tentativa resulta numa atordoante dor de cabeça.
Desisti.
Tendo que me resignar com os livros em espanhol (não gosto de ler em catalão), escritos por
autores espanhóis ou latino-americanos (tenho a mania de só ler livros em
versão original e, não sendo possível, traduções apenas em português) comecei a
folhear.
O primeiro impacto é sempre aquela maravilha, tantos nomes,
tantas cores, tanto por onde escolher que sinto que estou a cometer uma
injustiça por abrir um livro e não o do lado. Mas depois, abrindo um abrindo
dois, afinal aprece sempre a mesma lengalenga. Uma estória de amor trágica que
se resolve com um novo amor para lá de espetacular mas que, muito provavelmente,
esconde um grande segredo que vai mudar a vida dos personagens. É isso ou então
morre alguém. Em diferentes formatos e tipografias, mas a sequência base é como
uma fatia de pão de forma, sempre igual. Se depois se lhe metem nutella, compota ou queijo e fiambre, já depende de
cada autor.
E eu procuro sentimentos fictícios de verdade, palavras que
me prendam e não me deixem dormir, personagens que me façam sonhar com os seus
dramas. Quero decobrir enredos originais, com um estilo de escrita que não caia
a pico nos lugares comuns. Se há coisa que me irrita é ler um livro em espanhol
armado em Nicholas Sparks, narrando romances previsíveis em Brooklyn ou em em
NY. Não pá! Se o autor é da pátria que escreva sobre o que vive e o que sabe, ou
vamos lá ver que não podem haver estórias de amor em Barcelona, em Madrid ou
ali na Patagónia?! O amor tem que ser todo super fashion, super cool de mãos
dadas pela quinta avenida? Sinceramente,
quando vejo livros de autores espanhóis/latinos com pretensões de chic flick com
a Julia Roberts, soa-me tão pouco genuíno que se transformam num thriller de
terror.
Outra coisa interessante seria que não todas as personagens principais
femininas fossem jornalistas. E eu até
estudei jornalismo. Mas parece-me aborrecido de que em cada 5 livros, 3 tenham
como protagonista uma jornalista.
Acabei por agarrar no “Don Quijote en la España de dueña
Letizia”, motivada pelo conceito bizarro, pela ausência de jornalistas e de romances
fracassados, e por um parágrafo em que se comentava a invenção da caneta como a
coisa mais fascinante para Don Quixote.
Comprei-o e fui para a casa a pensar que tenho mesmo que
escrever o meu próprio livro.
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