"No tenim por"
A televisão foi ao ar, ouvi uma explosão e senti que não
conseguia respirar. Mas espera, eu não tinha a televisão acesa... devo estar a
sonhar, preciso acordar, não consigo respirar. E quando parecia que ia sufocar
abri os olhos.
A televisão estava apagada e podia respirar perfeitamente.
Mas e agora?
Já posso sair à rua? Posso apanhar o metro? As paragens de
metro ao pé de minha casa, Plaza Catalunya e Paseo de Gracia, são as mais
movimentadas da cidade. Imagino-me no metro e a primeira coisa que penso é em
como vou estar com medo de que aconteça alguma coisa. Aliás, qualquer passo que
dê, estou automaticamente numa zona alvo, cheia de aglomerações.
Ligo a televisão, vejo as últimas atualizações sobre os
atentados e vejo que há muita gente na Rambla. Hoje, a recomendação é sair de
casa sem medo. Porque viver com medo não é vida.
Nos primeiros passos tudo parece normal, os passeios cheios
de gente, as lojas abertas, as esplanadas montadas. Porém, há algo diferente...
demoro em perceber o que é até que reparo que as pessoas não falam. Há muita
gente em todo o lado, mas predomina um silêncio pesado.
E afinal também não está tudo “normal”, ao chegar à Plaza
Catalunya sou recebida por uma muralha de polícias com metralhadoras em punho e
as ruas continuam cortadas. Em poucos minutos começa o minuto de silêncio pelas
vítimas com a assistência do Presidente do Governo e do Rei. Os polícias
revistam as pessoas uma por uma antes de as deixarem entrar na Plaza o que me
faz pensar que aqui onde ontem a multidão corria histérica, hoje, agora, é o
sítio mais seguro de Barcelona.
Desço até à Rambla, quero passar ali, preciso passar ali.
Preciso ver que a Rambla continua a ser a Rambla, com as suas árvores e os seus
quiosques, as flores e as estátuas humanas e o burburinho das pessoas. Hoje o
burburinho é discreto, mas a quantidade de gente a passear transmite força e
segurança. Paro em frente à fonte de Canaletas (mais ou menos onde o atropelo
começou), transformada em altar de
homenagem e solidariedade. Detenho-me ali uns minutos, a ver, a sentir, a partilhar
o silêncio solidário em forma de prece.
Subo até à Praça, dou algumas voltas até conseguir perfurar as filas e
descobrir uma entrada livre. Coloco-me mesmo no meio, no meio da Praça, no meio
de milhares de pessoas desconhecidas todas unidas pela mesma razão. Ouve-se um
grito, uma sirene e inevitavelmente penso que se agora houvesse um atentado não
teria escapatória, mas também é precisamente nesse momento, no meio de tanta
gente que nunca vi e provavelmente nunca voltarei a ver, que deixo de ter medo.
Não sei se são os gritos em catalão de “Não temos medo! Não
temos medo!”, os aplausos, as rosas vermelhas ou o minuto de silêncio pelos que
não conseguiram escapar. É por eles que estamos aqui todos. Para que não sejam esquecidos,
para que a sua dor não seja uma vitória do terrorismo, mas uma demonstração de
humanidade.
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