"Essa moça 'tá diferente..."
Cantava assim Chico Buarque, ao ritmo dos anos 70: “essa
moça 'tá diferente, já não me conhece mais, está pra lá de pra frente, está me
passando para trás, essa moça está decidida a se modernizar...”
Hoje estava a passear por Barcelona e lembrei-me desta
canção. Arriscando parecer sexagenária, ou/e partidária de Franco, a verdade é
que já cá estou há 9 anos e a cidade já não é o que era.
Primeiro, temos uma verdadeira avalanche de polícias a
patrulhar o centro, o metro e as zonas de maior movimento. Grandes ruas de comércio estão
permanentemente “trancadas” por carrinhas dos “mossos” (polícia catalã), estrategicamente
colocadas para evitar que fanáticos de Alá entrem por ali aos ziguezagues (mais vale tarde do que nunca). Não
sei bem como me sinto em relação a esta vigilância de alerta vermelho, porque
se eles têm que estar ali significa que não estamos seguros, como já não
estávamos antes.
Essa é a primeira diferença: quando cheguei a Barcelona uma
pessoa descia a Rambla preocupada que alguém lhe arrancasse o telemóvel da mão
ou a máquina fotográfica do pescoço, o que efetivamente acontecia com frequência,
e quando encontrávamos um polícia era porque já estávamos na esquadra. Agora,
atravessamos a rua com medo que nos atropelem intencionalmente e entramos no
metro pedindo a Deus que não rebente nenhuma bomba. Mas, pelo menos, podemos
estar certos de que se explodir, ou se nos atropelarem, a polícia vai estar logo
ali para identificar o corpo, o que no fundo é uma melhora.
Depois, é preciso realçar o fenómeno da marca “Top Manta”,
oficialmente registada e autorizada pela hippie que temos na Presidencia da
Câmara. Simpatizo com medidas populares e dava-me uma certa pena ver aqueles
senhores, refugiados de África, com
sacos às costas e mercadoria ilegal, sempre a fugir aos polícias. Afinal,
estavam só a tentar sobreviver sem fazer mal a ninguém. Por isso, achei bem a
proposta de uma cooperativa para legalizar a venda ambulante. O problema é que
onde havia 10 agora há 50, o problema é que se eles podem então toda a gente
decidiu ir estender toalhas com coisas para vender no meio do passeio com ou
sem licença, o problema é que já não se pode caminhar pelo Paseo de Gràcia, nem
pelo porto, nem pelo Parque da Ciutadella. Já não se pode caminhar por nenhum
lado porque ocuparam o espaço todo. Chegaram mandando no pedaço, cresceram e
multiplicaram-se mais rápido que a Apple e conquistaram as calçadas, qual
Afonso Henriques. Não só é feio e dá uma imagem rasca e barata da cidade (Gaudí
estará às cambalhotas na tumba!), como atrai um turismo indesejável. Além disso, é terrivelmente injusto para as
lojas de marca, que pagam os seus impostos e vendem produtos originais, ter as
falsificações por menos de metade do preço “à porta”. Também incomoda bastante os transeuntes e
irrita-me profundamente. Basicamente, agora viver em Barcelona é como viver
dentro da feira da ladra.
E uma vez que contornámos devidamente o império “Top
Manta”, caem-nos em cima os taxis triciclo. Se eu já não era fã das bicicletas que quase me mataram em mais de uma ocasião, por se considerarem imunes às
regras de trânsito, ou a qualquer regra em geral, imaginem o que eu gosto dos
triciclos que agora estão de moda para levar os turistas a passear. Ora por
onde é que eles “triciclam”? Pelo passeio! E pequenos não são, que aquilo parece
a carruagem da Princesa Sissi a pedal! Proliferaram
ao ritmo dos “Top Manta” e por este andar qualquer dia estão ambos a cotizar em
Wall Street. Se fizermos bem as contas, é muito mais provável que sejamos
atropelados por um Taxi triciclo ou por um Segway, que por um terrorista. E
pronto, mais um ponto a favor para a nova Barcelona.
Quando cheguei aqui o Puyol ainda jogava, o Barça ganhava tudo
o que havia para ganhar, o Neymar ainda não tinha chegado e a equipa de basket
ia à Final Four da Euroliga. Agora, o Puyol já só joga matraquilhos, o Neymar
já veio e já foi, o Barça ganha a Copa del Rey e olhe lá, a equipa de basket
não ganha mesmo nada e não só não vai à Final Four da Euroliga, como nem sequer
entra nos playoffs.
Esta moça está mesmo diferente e eu gostava mais dela antes
de se “modernizar”.
Mas se ele há uma coisa que não muda nunca, são os velhos nus
da praia da Barceloneta. Eles ali continuam, rijos duros e descascados, todos
os dias do Inverno ao Verão!
E assim, Barcelona perpetua algo da sua história e tradição.
(Vou poupar-vos aos visuais, garanto por experiência própria que são constrangedores).
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